quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Diário da Via da Prata - Feces de Cima a Santiago de Compostela

05-10-2007:Cruzamento de Feces de Cima/Mandin – Laza (30,7 km)



Menos de 1 mês depois estávamos de volta ao Caminho, para agora sim entrarmos na sua fase decisiva: percorrer os últimos 193 km da Via da Prata (Via de la Plata), um dos míticos Caminhos espanhóis para Santiago. Saímos de Nisa no dia 4 de Outubro de 2007, depois de almoço rumo a Vila Verde da Raia onde iríamos pernoitar na Residencial/Restaurante “O Açude”, mesmo junto à fronteira. Já conhecíamos este espaço da última jornada do Caminho, pois foi uma das nossas paragens para almoço. Antes da pernoita, parámos em Chaves para jantar no Restaurante “O Pote”, um presunto e uma posta mirandesa de comer e chorar por mais! Às 08h05 do dia seguinte iniciávamos oficialmente a nossa travessia em terras da Galiza, em plena Via da Prata, com o objectivo de chegar neste dia a Laza, a fim de pernoitar no albergue local. Tamaguelos, Mourazos, Tamagos, Cabreiroá e depois Verin a primeira das 3 cidades desta parte da Via de la Plata. Em Verin tínhamos 2 percursos para optar, seguimos via Laza, com passagem ainda por Pousa e Mixós, onde almoçámos. De tarde passámos por Estevezinhos, Vences, Arcocelos, Retorta, Matama e finalmente ao Albergue de Laza, às 17h20, já depois de termos carimbado a Credencial na Protecção Civil.

06-10-2007:Laza – Xunqueira de Ambia (33,5 km)



Às 07h35 e depois deixarmos o nosso donativo na respectiva caixa no albergue, partimos para nova travessia, desta feita, rumo a Xunqueira de Ambia. Saímos de uma cota de altitude de 400 metros, sabendo de antemão que nos esperava uma subida dura em montanha até ao cume da Serra de Requejadas a 1000 metros de altitude! O Pimpão neste dia também não se encontrava nas melhores condições físicas, fruto de um resfriado que contraiu em Chaves, que o deixou com bastante febre e praticamente afónico. Mas com a ajuda de alguns antipiréticos comprados na véspera numa farmácia em Laza, lá foi enganando a maleita! Depois de Laza o Caminho segue até Soutelo Verde, Tamicelas, com passagem obrigatória pelo “Rincón del Peregrino” na quase perdida aldeia de Albergueria, é de tudo um pouco: refugio, casa, café, supermercado! Decorado com muito bom gosto, com um mar de vieiras (conchas) no tecto, testemunho de todos os peregrinos que por ali têm passado, cestas com fruta por todo o lado, uma lareira e um simpático gato que não nos largou um minuto na expectativa de lhe darmos alguma guloseima, pois segundo nos disse o proprietário do refugio, Luís Fernández, os peregrinos habituaram-no mal! Depois daquela montanha tínhamos, de facto, chegado a um verdadeiro oásis! Ainda desfrutámos de um bom pão com presunto, bem regado com um excelente vinho branco! O Pimpão apenas saboreou o presunto já que estava a tomar os “anti-tudo”, não fosse o vinho cortar o efeito. Deixámos também o nosso testemunho numa vieira e despedimo-nos do Luís, pois o Caminho esperava por nós e nós ansiávamos por ele!


Às 12h20 chegámos a Vilar do Barrio, pelo que aproveitámos para a aconchegar o estômago com uma sopa quente num restaurante local. Enquanto o Castro, o António Almeida e a incansável Ricardina ficaram a acabar a sopa, eu e o Pimpão fomos à 2ª parte do farnel na relva do jardim de Vilar do Barrio. Na saída desta localidade e pela 2ª vez no Caminho, fomos bafejados pela sorte, pois tropeçámos noutros 10 euros, desta vez foi o Almeida, que se acabava de habilitar a pagar o próximo café e digestivo! Tema inevitável de conversa até final da etapa! Passámos ainda por Boveda, Vilar Gomarete, Bobadela (não é em Loures, em Espanha também há uma…), Padroso, Cimo de Vila, Quintela e às 17h00 em ponto a tão desejada Xunqueira de Ambia, com um albergue também com muito boas condições. Carimbámos a Credencial num café desta vila, cujo dono era o responsável pelo registo e controlo dos peregrinos.

07-10-2007: Xunqueira de Ambia – Tamalancos (38,8 km)



Depois de Xunqueira de Ambia, o estado de saúde do Pimpão agravou-se, a febre aumentou, tendo passado uma noite terrível, amaldiçoou-se um sem fim de vezes por ter dormido na fronteira de janela aberta, asneira! A partida ocorreu às 07h30 da manhã, depois do já habitual donativo depositado na caixa do albergue. O Caminho seguia até Outorelo, Pousa (a 2ª Pousa, depois da 1ª na etapa de 5 de Outubro…), Salgueiros, Gaspar, Veirada, Ousende, Penelas, Venta del Rio, Pereiras, Reboredo, Seixalbo e finalmente a imponente cidade de Ourense! Levámos mais de 1 hora para atravessar todo o vasto núcleo de Ourense, travessia que incluiu “una canha” num dos muitos bares da cidade. Passámos pela Catedral, por uma fonte de água quente, por imensas ruas e praças e pelas pontes do Rio Minho. Ourense conta com um notável acervo histórico e artístico. Atravessámos uma ponte romana, deixávamos finalmente a enorme cidade e entrávamos na povoação periférica de Cudeiro, eram 15h00, em virtude da demora na travessia de Ourense, acabámos por fazer uma espécie de almoço já fora de horas. Durante a tarde tempo ainda de passagem por Boveda (a 2ª Boveda, muito perto da outra…), para um pouco mais tarde, seriam 17h35, chegarmos Talamancos, final da jornada! Nesta etapa há a referir 2 ocorrências logísticas que vieram condicionar de certa forma a nossa programação do Caminho: o facto de Talamancos não ter albergue e por essa razão termos de nos dirigir na viatura de apoio para o albergue de Ourense e uma avaria no sistema de piscas da viatura de apoio, facto que nos levou a interromper a marcha na manhã seguinte para repararmos o respectivo problema mecânico do carro de apoio.

08-10-2007: Tamalancos – Mosteiro de Oseira (20 km)



A deslocação desde o Albergue de Ourense até ao cruzamento de Talamancos, associada à avaria nos piscas da viatura de apoio e a algum trânsito matinal, acabaram por retardar a nossa partida para nova jornada no Caminho. Certo é que para este dia tínhamos programado 1 jornada de descanso, mas como estávamos fisicamente bastante recomendáveis, decidimos de comum acordo fazermo-nos ao Caminho, ainda que ao ralenti! Começámos a caminhar às 08h00, passando por Bouzos, Faramontaos, Viduedo, Casas Novas e Cea, povoação onde decidimos parar a fim de reparar a viatura, por isso almoçámos junto à oficina da Renault desta localidade. Por maioria de razões, decidimos nessa noite ficar no Albergue de Cea, mas como ainda era cedo e a reparação do carro de apoio tinha demorado menos do que à partida prevíramos, caminhamos mais alguns km para ganhar terreno relativamente à etapa seguinte. Às 14h30 saímos do Albergue de Cea, já com os nossos haveres devidamente acondicionados, e lá fomos caminhando rumo a Oeste. À saída de Cea, voltámos a ter 2 opções: ou seguíamos o tradicional Caminho de Santiago, passando pelo Mosteiro de Oseira, ou podíamos optar pelo caminho alternativo e assim poupávamos 6 km. Qualquer das opções confluiria em Castro Dozon, uns dos pontos de passagem da etapa seguinte. Em boa hora nos decidimos pelo Mosteiro de Oseira, pelo que depois de Pieles, Ventela e Oseira, chegámos ao imponente Mosteiro quando eram 16h40 e com mais 20 km no currículo. Esta construção monástica era simplesmente fantástica: fez-nos recuar muitos anos até ao século XII e relembrar várias histórias esotéricas associadas aos Templários e a outras Ordens congéneres! Como tínhamos que esperar pela viatura de apoio, aproveitámos para matar o tempo num bar junto ao Mosteiro, onde comprámos uns “recuerdos” e bebemos umas “canhas”! É claro que o Pimpão viria mais tarde a auto flagelar-se por não ter resistido ao néctar loiro, pois voltou a ter nova recaída, acompanhada de falta de voz, só colmatada com a ingestão de mais alguns químicos. Por fim lá chegou a Ricardina ao volante do nosso carro de apoio, para nos transportar de regresso ao Albergue de Cea, onde iríamos ter o nosso merecido descanso!

09-10-2007:Mosteiro de Oseira – Silleda (39 km)



Partimos do Mosteiro de Oseira às 07h40 da manhã, sendo a fase inicial da nossa caminhada feita no tipo de terreno que mais gostamos: em plena natura e em caminhos de terra batida! A pouco e pouco lá fomos cruzando as povoações de Vilarello, Outeiro, Vidueiros e Castro Dozon, local de confluência dos 2 percursos que saíam de Cea dos quais falei no capitulo anterior. Passámos ainda por Xesta e Botos onde almoçámos. Após o merecido repasto lá retomámos a caminhada até Bendouro, Prado, Taboada e por fim Silleda, onde demos por terminada a etapa junto à tienda (loja) Mendemal quando eram 17h50, precisamente no ponto de saída para Santiago de Compostela. Silleda não tinha albergue, apenas um parque de campismo a alguns km da localidade, pelo que optámos por pernoitar no albergue de Bendouro, dado que tínhamos a facilidade de transporte no carro de apoio. Quando chegámos ao albergue verificámos que este se encontrava repleto por um grupo de jovens estudantes espanhóis, pelo que tivemos que dormir em colchões no chão. Mas nem tudo foi mau, pois ficámos num compartimento isolado e dormimos muito descansados. Lavámos alguma roupa e pusemo-la a enxugar num pequeno quintal no albergue. O Castro, a Ricardina e o Almeida decidiram ir jantar ao restaurante e, segundo relataram mais tarde, comeram muito bem! Eu e o Pimpão ficamo-nos pela muito boa cozinha do albergue onde desfrutámos uma reconfortante sopinha instantânea, atacámos o que restava do farnel do dia, um cafezinho por nós confeccionado. Até o Pimpão perdeu a cabeça e saboreou o seu 1º digestivo pós jantar, desde o início desta nossa aventura! Enquanto confeccionava a nossa sopita de pacote, sucedeu um episódio hilariante que fez as delícias do Pimpão e mais tarde dos restantes companheiros do Caminho: esqueci-me por completo da sopa na placa eléctrica do muito modernaço fogão com painel digital, ferveu e arrufou, accionando um alarme de incêndio, conclusão: era eu aflito a tentar desligar e arrefecer a placa e o Pimpão à minha volta a rir a bandeiras despregadas! Para meu conforto mental e ao fim de algum tempo de luta, o alarme lá se calou! Escusado será dizer que foi motivo de conversa no dia seguinte! “Gajos” armados em cozinheiros em cozinhas modernas é no que dá! De registar apenas que o Pimpão, nesta última noite antes da derradeira etapa, já teve um sono mais descansado, os problemas de saúde estavam finalmente debelados e quase esquecidos!

10-10-2007:Silleda – Catedral de Santiago de Compostela (42 km)




Os 42 km desta etapa foram, como quem diz, um suponhamos, porque se lhe juntarmos os km que fizemos já em Santiago à procura de um albergue com lugares vagos, que acabámos por não encontrar, é claro que fizemos mais de 50 km, mas sobre isso falaremos mais adiante. A nossa última etapa na Via de la Plata começou às 07h30, praticamente com o nascer do sol, Saímos de Silleda e seguimos até Margaride e depois Chapa, Bandeiras, Dornellas, Igreja de S. Miguel de Castro, Ponte Ulla e S. Tiaguinho, onde parámos para retemperar forças com o último almoço volante deste Caminho. Após o almoço e já com o nervoso miudinho pela proximidade da última residência do Apostolo, lá caminhámos em direcção a Rubial, Baqueixoa, Aldrei, Pineiro e Sar, de onde já se avistava a Santiago. Daqui em diante e com um derradeiro sopro de ânimo palmilhamos os últimos km até ao centro histórico da cidade, rumo à Catedral do Apostolo.
Às 18h00 do dia 10 de Outubro de 2007, após 16 etapas e 606,3 km palmilhados a penantes, alcançávamos finalmente o nosso objectivo supremo desta nossa já longa odisseia. Um sentimento misto de emoções de apoderou de nós, enquanto nos congratulávamos mutuamente pelo feito alcançado. O mais importante estava feito e registado para a posteridade, não só com fotografias, mas também, com umas “canhas” e umas “tapas” num típico bar da zona histórica de Santiago. Mas havia ainda alguns rituais a cumprir: o principal era arranjar albergue para dormir e como já em cima mencionei, esta procura veio a revelar-se um verdadeiro desaire, pois após termos percorrido a pé de lés a lés a cidade, chegámos à triste conclusão que não tínhamos cabidela em nenhum albergue de Santiago. Isto após termos calcorreado seguramente uma dúzia de km, após os 42 já realizados, pelo que estes últimos eram oferta da casa! Feitas as contas, tomámos a brilhante decisão de chamar um táxi e ir ao encontro da Ricardina que se encontrava algures à entrada de Santiago de Compostela à nossa espera, junto a umas bombas de gasolina. O objectivo agora era encontrar um “Hostal” para dormir e um lugar para sossegar o estômago. E foi o que fizemos, ficámos numa pensão bastante acolhedora na periferia de Santiago e fomos jantar calmamente numa povoação com o sugestivo nome de Susana. No dia seguinte, a 11 de Outubro aproveitámos para, mais calmamente, visitar a cidade, colocar o último carimbo na Credencial e levantar a tão aguardada Compostela na Oficina do Peregrino, comprar uns “recuerdos” para a família e amigos, visitar a Catedral de Santiago e assistir à eucaristia e beber uns aperitivos num dos muitos bares da cidade. Almoçámos já para lá de Santiago e iniciámos a viagem de regresso a Nisa já comodamente instalados na viatura de apoio, com tempo ainda para jantar pelo caminho com chegada ao nosso destino já a noite ia avançada. Estava cumprido o nosso objectivo! Mas no nosso subconsciente outro bichinho começava já a mexer, outra aventura, esta bem mais arrojada, começava já a tomar forma, pelo que mais novidades surgiriam muito em breve!

textos: António Pimpão, Sérgio Cebola
fotos: António Pimpão, Rosalino Castro, Sérgio Cebola

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