quarta-feira, 29 de maio de 2013

O Caminho Aragonês em 6 dias!




19 de Abril: Etapa 1, Puerto de Somport - Villanua

A alvorada ocorreu bem cedo, logo às 05h00 da matina, pouco depois das 05h30 dávamos entrada na gare de Bayonne, já com os bilhetes na bagagem. A pouco e pouco começaram a surgir mais pessoas de mochila, as maior parte das quais, suspeitei, de viagem para Saint-Jean-Pied-de Port (Caminho Francês). O comboio partiu às 06h03 rumo à gare de Pau. Às 07h34 apanhámos a ligação para Oloron-Sainte-Marie, onde chegámos às 08h12! Aguardamos 10 minutos na gare de Oloron pelo autocarro que nos levaria ao Puerto de Somport, a mais de 1600 metros de altitude. Começou a cair uma chuva miudinha que, à medida que subíamos, se ía transformando em neve! A viagem deu para contemplar a beleza da paisagem pirináica, enormes montanhas bordejadas de um imenso tapete verde, com linhas de água a surgirem de quase todos os lados. Conseguimos cumprir todos os horários e ligações, o que nem sempre é fácil. Ficámos encantados e surpreendidos com a dimensão do túnel de Somport, 8,9 km de comprimento, uma obra de grande engenho do Homem, sem dúvida! A neve começou a solidificar a sua presença à passagem por Canfranc-Estación. Às 09h50 chegávamos finalmente ao teatro de todos os nossos mais recentes sonhos, ao teatro que durante muito tempo havia preenchido o nosso imaginário! Entretanto o Alexandre (que meia hora antes chegara de Jaca também em autocarro), veio ao nosso encontro saindo do Albergue Aysa! Foram momentos de grande emoção, de cumprimentos, de por a conversa em dia! Trocámos as credenciais, aceitámos e agradecemos os presentes do nosso amigo,..enfim o prólogo do nosso novo Caminho estava lançado! Seguiram-se mais de 2 horas a nevar, com o limpa-neves a passar constantemente para cima e para baixo, para desimpedir a estrada. Aproveitamos o interregno para ver as vistas, contemplar a pasiagem nevada, para petiscar e beber uns copos (petiscos e vinho de Nisa...), colocámos o carimbo de inicio do Caminho e encetámos uma tertúlia ao longo da manhã, na qual tomou parte um peregrino escocês, o William, que pernoitara no Albergue Aysa (já vinha a caminhar desde França).




Às 12h25 demos inicio oficialmente ao Caminho! A neve pareceu querer abrandar, o dia deu sinais de começar a clarear, e nós aproveitámos para arrepiarmos caminho! Tírámos as fotos da praxe no marco de inicio (858 km para Santiago), mas não mais do que isso já que o trecho inicial do percurso estava cortado aos caminheiros/peregrinos, não apenas pela queda da neve, mas também por já anteriormente ali ter ocorrido um aluimento de terras! Descemos pela estrada, cortando o Caminho de Santiago aqui e ali, contemplámos a beleza singular do agitado rio Aragon (que nos iria fazer companhia nos próximos 6 dias) e já muito perto de Canfranc-Estación seguimos em definitivo as setas amarelas! Em Canfranc parámos para retemperar forças, - a jornada seria curta, apenas 16,5 km -, pelo que não havia pressas! Comemos do que ainda tinhamos trazido de casa, o que incluiu o bacalhau do Leonel, o vinho Terras de Nisa que trouxera o António Delfino, entre outras iguarias, tal como um queijo de Nisa que eu levara também na bagagem!



O Alexandre comprou pão e vinho! O William fez-nos companhia e adorou o repasto, coisa a que não estava habituado, pelo menos nos moldes em que nós o fazíamos! Chegámos tranquilamente a Villanua às 17h30, ficámos no albergue Tritón, onde por 24 euros, tivemos cama lavada, duche, jantar e pequeno-almoço! Enquanto aguardámos pelo jantar, encetámos amena cavaqueira, bebemos umas "canhas" e pusemos os diários em dia. Gostaria ainda de realçar os belos trilhos que percorremos após Canfranc-Estación, com uma fantástica cascata pelo meio! O dia melhorou substancialmente à medida que perdiamos cota, com algum vento a partir de Canfranc!



20 de Abril: Etapa 2, Villanua - S. Cília de Jaca

A alvorada foi às 06h00 da manhã (aliás foi uma constante durante todo o Caminho...), tomámos o pequeno-almoço no albergue e às 07h10 demos inicio à segunda jornada de Caminho, com 30,7 kms pela frente. Sensivelmente a meio da etapa, pelas 10h30, parámos em Jaca, - antiga capital do reino de Aragão -, uma pausa de 1h30 (tal como já tinhamos programado), desfrutámos de uma exelente esplanada de um bar junto à Catedral, degustámos um bocadillo de presunto com queijo francês e cerveja de malte (no bar Chez Claudie...uma particularidade em Jaca, muitos emigrantes franceses...talvez pela proximidade da fronteira...), com direito a um momento único de música ao vivo protagonizado por um tocador de rua, que tirava excelentes notas de um violoncelo. Carimbámos a credencial no Museu, junto à Catedral. Em seguida visitámos a cidadela (núcleo antigo). No fosso da fortaleza por vezes avistam-se alguns veados que por ali costumam andar...não vislumbramos nenhum...melhor sorte teve o Alexandre quando ali dormiu na véspera de se juntar a nós em Somport! Quando se preparávamos para retomar o Caminho fomos abordados por 2 simpáticas jornalistas da TV Aragão que queriam entrevistar alguns peregrinos...delegámos no nosso amigo Alexandre, - qual mestre de cerimónias -, que se saiu na perfeição! Outra coisa não esperávamos, é claro...! Às 15h30 chegámos a S. Cília de Jaca, albergue municipal, com porta aberta, entrámos e trátamos de nos instalar tranquilamente, sem ter que esperar pela hospitaleira, uma simpática colombiana, que só apareceu mais tarde para fazer a cobrança e, mais importante que tudo, para nos tratar do jantar! S. Cília, para além do albergue, apenas tem uma padaria e um bar! Na primeira comprámos mantimentos para o dia seguinte, em particular para o "desayuno" e no segundo comemos "bocadillos" e bebemos "canhas"! Foi no bar que conhecemos um peregrino francês, de seu nome Manoel, que já vinha caminhando desde França! Jantou connosco no albergue!







21 de Abril: Etapa 3, S. Cília de Jaca - Ruesta

Começo por dizer, antes de mais delongas, que ocorreu nesta etapa a primeira alteração (imprevista) à programação previamente feita! Não ficámos em Artieda (mais à frente já vão perceber porquê...), palmilhámos mais 10,5 km até Ruesta! Os 28 kms programados para esta jornada acabaram por se transformar em 38,5 kms! Há dias assim! Bom...começando pelo principio, demos inicio ao terceiro dia de Caminho às 07h25 e fizemos uma primeira pausa na bonita aldeia de Arrés, povoação tipicamente de montanha, com albergue e bar, parámos no bar para retemperar forças e carimbar a credencial! Eram cerca de 11h00 da manhã quando parámos e retomámos a marcha 1h00 depois. Entre Arrés e Artieda não existem serviços de apoio, pelo que Arrés é um ponto estratégico no que respeita ao reforço de mantimentos! Chegámos a Artieda às 15h30 e tivemos uma surpresa menos agradável, o albergue estava fechado (segundo nos disse uma senhora idosa...a única pessoa com que conseguimos chegar à fala...) para obras! Resumindo..., albergue fechado, bar fechado e na unidade de turismo rural que ali existia também ninguém atendeu a campainha...muito esquisito...(ou não...)! O estranho para nós não foi o albergue estar encerrado, pois isso acontece por vezes, estranho foi nos 2 albergues anteriores não haver qualquer informação a este respeito, pois tínhamos evitado a subida a Artieda e teríamos continuado diretos para Ruesta! Fizemos um ponto de situação rápido, descansámos, reabastecemos de água e comemos algo! O mais sensato, pesados os prós&contras, seria andar mais 2h30 e ficar no albergue de Ruesta! Ainda ponderámos dormir no átrio da igreja, contudo, não tinhamos comida suficiente, não seria prudente! Continuámos! Mas nem tudo foi mau, ainda era relativamente cedo, o tempo estava ameno e, o mais importante, entre Mianos e Ruesta atravessámos um bonito trilho no meio de um bosque de carvalhos, muito sombrio (do qual já tinha visto umas fotos na net...), que serpenteava paralelo à estrada. Chegámos ao nosso destino de recurso às 18h45! Após a habitual pausa higiénica no albergue, fizemos uma rápida visita ao bar! O jantar foi vegetariano (o hospitaleiro era vegetariano...), não sendo o meu menú preferido, confesso, foi pelo menos original! O Alexandre adorou, é claro...! Reencontrámos o Manoel, o parisiense que conheceramos em S. Cília! Ruesta é uma aldeia muito singular, povoação abandonada em 1959, tem albergue e bar, tem ainda um antigo edificio em recuperação para ser transformado em albergue.









22 de Abril: Etapa 4, Ruesta - Sanguesa

Como grande parte desta etapa já estava feita (de Artieda a Ruesta), a jornada 4 ficou, por isso, substancialmente reduzida, 23,9 km, pelo que aproveitámos para descansar um pouco mais, tomámos o pequeno-almoço já depois das 07h00 e retomámos o Caminho às 08h22. Contudo, percorridos alguns metros, tivemos que regressar a Ruesta. O António Delfino ressentiu-se de uma terrível gastroenterite que o atingiu logo ao acordar, sentia um enorme mal estar, com vómitos e tonturas! Feito o ponto de situação, mandou o bom senso que voltássemos atrás para dar descanso e tratamento ao nosso companheiro! Pedimos ajuda ao hospitaleiro, o Nano, um basco muito simpático e muito prestável, a quem aproveito para agradecer (uma vez mais) toda a generosa ajuda que nos prestou na nossa estadia, em particular, na recuperação do António Delfino, que descansou toda a parte da manhã no albergue. Perto do meio-dia e já visivelmente melhor, tomou sais de fruta e uns comprimidos naturais para a protecção do figado que o Alexandre lhe deu (o Delfino já tinha também na sua posse umas cápsulas para protecção do estômago, que lhe dera um peregrino espanhol o Juan José...). Já na sala de refeições do albergue, o António comeu um caldo de arroz branco, cortesia do Nano, que nós também partilhámos! O nosso companheiros ganhou nova cor e alento, o moral do grupo subiu e decidimos, pelo meio-dia, retomar o Caminho, não sei antes agradecer uma vez mais ao Nano por toda a sua gentileza, pois no fim de tudo e sem pedir nada em troca, ainda nos indicou o caminho para sair de Ruesta! Saimos a 560 metros de altitude para subir até aos 800, para voltar a descer aos 643 em Undués de Lerda, onde fizemos uma paragem para comer "bocadillos" e beber vinho no bar do albergue. O Alexandre bebeu água, confidenciando-nos que iria fazer um esforço para apenas beber cerveja no final das etapas, sentia que de alguma forma ficava algo desidratado. O único ponto de interesse até Unduès, pelo menos o que saltava mais ao olhar, foi a soberba vista sobre o "embalse" de Yesa, onde aproveitámos para sacar algumas fotos! Existe até uma polémica instalada sobre as obras neste local, que irão cortar grande parte do traçado original do caminho Aragonês! Por todo o lado se viam tarjas e cartazes reivindicativos, no sentido de fazer pressão para as obras não avançarem! O Nano, ainda em Ruesta, tinha-nos feito um ponto de situação desta polémica! Ficámos também a perceber que o albergue de Artieda estava fechado, segundo nos disseram, por questões políticas! Depois os peregrinos é que pagam...enfim...não havia necessidade...! Depois de Undués entrámos na Navarra e às 18h30 chegámos a Sanguesa, com um vento muito forte por companhia já na parte final da etapa, onde palmilhámos também algumas centenas de metros por uma desgastante calçada antiga, de descida acentuada e com piso muito irregular, que nos atormentou a todos em geral e o Alexandre em particular, que já se vinha ressentido dos pés...! Ficámos no albergue municipal, por 5 euros, lavámos e secámos roupa na máquina de forma gratuita (coisa impensável no Caminho Francês...) e ainda nos deram a chave do albergue...eheheh...! Jantámos o menu peregrino num restaurante no centro de Sanguesa, 14,5 euros já com os extras incluídos, um café "solo" um "pacharán", um licor delicioso típico da Navarra, que nos foi recomendado pelo nosso amigo peregrino espanhol Juan José! Entretanto fomos conhecendo mais alguns peregrinos, o Carlos de Porto Rico, um casal do cantão alemão da Suiça (ela grávida de 5 meses...é preciso coragem...) e o já nosso velho conhecido Manoel! Talvez pelo café tardio, acordei às 03h15 da manhã e tive alguma dificuladade em voltar a adormecer.






23 de Abril: Etapa 5, Sanguesa - Monreal

Tomámos o pequeno-almoço no albergue, que o Leonel tinha comprado de véspera. O Alexandre fez uns curativos mais apurados nos seus pés, que incluíram tratamento com betadine! Com a cortesia do homem do lixo, tirámos uma foto de grupo junto à igreja de Sanguesa, por sinal muito interessante do ponto de vista arquitectónico. Eram 08h00 da manhã quando retomámos o Caminho, passámos a ponte sobre o rio Aragón (o imenso Aragón...eterno companheiro no Caminho Aragonês...). Optámos por seguir pela rota principal, que passa em Roncaforte e não por Lumbier. Subimos dos 400 metros aos 700 no Alto de Aibar. Mantive-mo-nos nesta cota até Izco. Foram quase 18 km por trilhos e caminhos muito extensos e monótonos, campos de gado, com muita lama seca,  piso irregular e muita pedra solta, o que condicionou muito o ritmo da marcha. Às 12h50 fizemos uma pausa mais prolongada em Izco, mais precisamente no albergue local, onde comemos "bocadillos" e carimbámos a credencial. O Alexandre comprou um gelado para sobremesa. A hospitaleira era muito simpática, de seu nome Blanca. Retomámos a marcha às 13h50, com passagens por Abinzano, Salinas e por um fantástico trilho pelo meio de castanheiros até Monreal, onde chegámos às 16h10, com 27,8 km percorridos nesta etapa! Por 7 euros ficámos no albergue da Casa Paroquial, o jantar foi mesmo no bar da Casa Paroquial, onde de tarde aproveitámos para confraternizar um pouco, com umas cervejas de permeio...eheheh! Jantámos com o Juan José e com um simpático casal de Saragoça. O menu foi 5*****, com a particularidade de termos comido a primeira sopa quente desde que iniciáramos o Caminho. O casal suíço tinha ficado em Izco numa unidade de turismo rural. Estava uma peregrina italiana no albergue, onde ficou também uma simpática peregrina austríaca, já de certa idade com quem já nos tinhamos cruzado algumas vezes e que nos tirou uma foto de grupo à chegada a Monreal! O Manoel tinha continuado até Tiebas, segundo nos disse a hospitaleira do albergue. Uma curiosidade: à porta do albergue estava um jovem guia-turístico que realizava visitas guiadas à igreja! Após o jantar fizemos um breve passeio higiénico por Monreal, com passagem pela igreja.





24 de Abril: Etapa 6, Monreal-Puente la Reina/Gares

Demos inicio à etapa 6 e última do tramo aragonês, passavam 11 minutos das sete da manhã. Entre Monreal e Tiebas, o Caminho ocorre por trilhos de montanha a meia encosta, já com muitos pueblos intermédios, a "cheirar" a Caminho Francês, ao contrário do Aragonês, com mais natureza e menos civilização! Às 11h00 chegámos a Tiebas, onde parámos cerca de 1 hora para comer algo, descansar um pouco e carimbar a credencial. O Alexandre aproveitou para telefonar para a família. Retomámos o Caminho por volta do meio-dia e a bom ritmo chegamos a Eunate às 14h45. Apenas pudemos contemplar a o exterior da Igreja Templária de Santa Maria de Eunate, porque apenas reabria ao público às 16h00(??), situação que nos causou alguma estranheza (e não foi caso isolado no Caminho...), pois um local com tanta afluência de peregrinos, em virtude do enlace com o Caminho Francês, poderia, nalgumas épocas do ano, flexibilizar o horário de abertura! Reencontrámos a simpática idosa austríaca! Tirámos algumas fotos junto à igreja e entre o descanso e o reabastecimento de água, aproveitámos o momento de alguma serenidade e de reflexão que o local nos proporcionou para organizar pensamentos e ideias! Às 15h30 oficializámos a ligação ao Caminho Francês, com a chegada a Obanos! Imortalizámos o momento com fotos a rigor e um video também! Às 16h30 chegámos a Puente la Reina, concluindo desta forma o Caminho Aragonês! Por sugestão do Alexandre ficámos no albergue Santiago Apostolo (onde ele tinha dormido em 2010), por 18 euros jantámos e dormimos. Recebemos a visita de um amigo do Alexandre de Pamplona, o José! Disponibilizou a sua viatura para alguma coisa que necessitássemos de Puente la Reina, pelo que o Alexandre aproveitou para carregar o seu telmóvel e para comprar o pequeno-almoço da manhã seguinte. Seguiu-se uma agradável tertúlia no bar do albergue, com umas "canhas" pelo meio e já, muito perto da hora de jantar, lá nos despedimos do José (uma despedida mais dolorosa para o Alexandre...). Por volta das 20h00 jantámos tranquilamente e já não tivemos muita vontade de sair do albergue. Como já vinha sendo habitual recolhemos cedo ao quarto, retemperar forças era imperioso, para continuarmos a trilhar com motivação o Caminho até "Campus Stellae"!










Fotos de António Delfino
Foto/entrevista TV Aragon, de Leonel Gomes