quinta-feira, 27 de maio de 2010

O Diário do Caminho : 18 de Abril, Saint-Jean-Pied-de-Port








Enquanto aguardávamos que a bilheteira da gare abrisse, aproveitámos para tomar o primeiro pequeno-almoço fora de portas, trazíamos farnel que chegava para os primeiros 2 ou 3 dias do Caminho, pelo que aliviar carga era preciso! Começavam também a chegar os primeiros peregrinos, facilmente reconhecíveis: mochilas, bastões e a famosíssima concha (vieira) de Santiago! O Castro foi marcar lugar à porta da bilheteira, seríamos os primeiros, era um merecido prémio para quem tinha passado uma noite quase em claro, nem para ver o Benfica esperei tanto tempo por um bilhete!

Quando acabei de comer e já muito perto das 08h00 fui render o Castro, atrás de mim estava uma peregrina italiana que, com um sorriso rasgado, se virou para mim e perguntou “Santiago?” e eu acenei afirmativamente. É reconfortante saber, de certa forma, que não estamos sozinhos! Comprei os bilhetes (8,60 € cada) e encaminhei-me para onde estavam o Castro e o Pimpão e lá fomos até ao autocarro 40543 que nos levaria até Saint-Jean-Pied-de-Port (SJPP) (já trazia o nº do autocarro memorizado desde Nisa, a Internet faz milagres…). A paragem situava-se num largo à direita da gare, o motorista foi muito simpático e deu para ver que, se houvesse atrasos na venda dos bilhetes, ele esperaria por toda a gente!

Uma viagem de 1h20 (cerca de 66 km), muito idílica: imensas paisagens verdejantes, os Pirenéus, imensas linhas de água e pescadores de trutas (prato típico da zona). Deu para ver que todos os passageiros iam fazer a rota do Apóstolo e o que mais me chamou a atenção foi um grupo de 5 coreanos (pelo menos eu achei que fossem coreanos…). Já perto de SJPP ainda dormitámos um pouco, reflexo da noite algo agitada e mal dormida. Às 09h30, junto à gare de SJPP, chegava ao fim a nossa segunda viagem em menos de 24 horas!

Primeiras fotos, primeira troca de impressões e lá fomos dando os primeiros passos de reconhecimento. Logo à partida deu para ver que SJPP tinha um ar bastante medieval, tudo muito típico, tudo muito limpo e arrumadinho no sítio. Fomos passando por alguns locais que reconhecemos de fotos e da Internet, mas que ali, ao vivo tinham outra beleza! Outra constatação facilmente comprovada era a de que SJPP respirava Caminho de Santiago e turismo por todos os poros! Também ali ninguém teria dúvidas que se estava no País Basco, bastava olhar para todas as placas e letreiros, escritos em francês e em basco (Donibane Garazi é SJPP em basco como poderão comprovar na foto). Algumas horas mais tarde, enquanto saboreávamos as primeiras “bierres” em solo francês, deu para escutar uma conversa entre dois anciões, que falavam ora em francês ora em basco, do primeiro idioma apanhava-se muita coisa, mas do último era, definitivamente, para esquecer! Fiquei tão imbuído deste espírito que, horas mais tarde, não resisti em comprar uma boina basca (vermelha, pois então…), que acabou por me ser oferecida pela minha cunhada Margarida!

Chegados ao Centro de Acolhimento do Peregrino na Rua da Citadelle, fomos recebidos por um dos responsáveis da Associação de Amigos do “Chemin de Saint Jacques de Compostelle” que nos carimbou a credencial, forneceu imensa informação sobre a 1ª etapa, em especial, sobre a mítica travessia dos Pirenéus e em troca de um donativo ofereceu-nos uma vieira para por na mochila. De seguida encaminhamo-nos para o Refúgio de peregrinos com o sugestivo nome de “Le Chemin vers L’Etoile” (O Caminho junto às Estrelas…), onde já tinha feito uma reserva por e-mail. Recebeu-nos um dos seus proprietários, Mr. Eric Viotte, também de uma simpatia extrema, pôs-nos logo à vontade, mostrou-nos as instalações: ficámos num quarto para 4 pessoas, com duche e cozinha à nossa disposição e pequeno-almoço incluído, tudo por 15 € por pessoa, muito bom, partindo do princípio que estávamos em França e numa zona muito turística. Deixámos as mochilas e fomos assistir à missa dominical que estava a começar, o Delfino só chegaria por volta das 13h00, tínhamos por isso algum tempo livre.

A Igreja tinha uma arquitectura muito interessante, antigamente designada de Notre-Dame du Pont e actualmente chamada de L’Assomption-de-la-Vierge, foi construída em estilo gótico sobre bases românicas. Não menos interessante foi a missa a que assistimos, cantada em basco e em francês, acompanhada por música de um órgão de tubos, datado de meados do século XIX. Pouco depois das 13h00 lá chegaram o Delfino e companhia: a Margarida, a Sónia, a Sylvie e o Laurent, o motorista de serviço! A chegada foi amplamente comemorada com um almoço conjunto no Refúgio, composto da seguinte ementa trazida de Nisa: tordos e perdiz fritos em vinha-d'alhos, pão do Monte Claro, queijo do Monte Queimado, tudo muito bem regado com vinho “Terras de Nisa” (que fez grande sucesso por estas paragens, como poderão comprovar pelas fotos...). Também houve pizzas na ementa, mas estas compradas já em SJPP.

Após um intenso repasto, nada melhor que um café e armanhaque (armagnac en français…) para rebater a coisa, na esplanada de um bar de SJPP. O amigo Castro quis fazer as honras da casa pagando a despesa e digo-vos meus amigos (só aqui para a gente que ninguém nos ouve...), a quantia despendida daria para nos embebedarmos todos em Nisa, enfim mas um dia não são dias e a ocasião justificava em muito esta pequena excentricidade! E depois meus amigos, armagnac a seguir a tordos e perdiz duplamente regados com tinto..., ok…, estamos perdoados! Cerca das 15h00 Laurent e companhia despediram-se de nós e lá partiram de volta a Joué-Les-Tours, pois a viagem de regresso ainda seria longa, mais de 500 km.

Estávamos então os 4 por nossa conta e risco, entretanto já tínhamos ido com o Delfino ao Centro de Acolhimento ao Peregrino, pelo que aproveitámos o resto da tarde para passeio turístico, comprar pão e comida para o dia seguinte (nada muito exagerado, pois ainda havia farnel de Nisa...), reconhecer o ponto de partida para a 1ª etapa, apreciar as trutas no límpido Rio Nive e, obviamente, beber umas quantas “bierres”!

Jantámos no albergue as sobras do almoço, pois como diz o dito popular “estragar não é grandeza!”. Às 22h00 todos para a caminha que se faz tarde, até porque a primeira etapa não seria para brincadeiras, e, para nos relembrar esse facto, bastava só conjugar nas nossas mentes estas 2 palavras: subida e Pirenéus! Por isso era bom não esquecer a razão da nossa viagem até ao sul de França, pelo que descansar era preciso!

Texto: Sérgio Cebola
Fotos: Saint-Jean-Pied-de-Port, Baixa Navarra, Pais Basco Francês
(inicio, para muitos peregrinos, do Caminho Real Francês de Santiago de Compostela e última etapa do Caminho em solo francês)
Autoria : António Delfino

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