quarta-feira, 26 de maio de 2010

O Diário do Caminho: 17 de Abril, a partida para França





A viagem de Nisa até Bayonne

Estamos finalmente no dia por que mais almejámos nos últimos tempos, em particular nos últimos 7 meses: o dia da partida para o sul de França, onde iríamos iniciar a travessia do Caminho de Santiago de Compostela. Levantei-me por volta das 09h00 da manhã, mal consegui dormir, tal era a adrenalina e a ansiedade, acho que nenhum de nós conseguiu…! Um banho apaziguador, seguido de um pequeno-almoço reconfortante, verificado (uma vez mais…) todo o equipamento e fechada definitivamente a mochila! A meio da manhã o Castro passou por minha casa e os dois fomos à do Pimpão para distribuir carga, a oferta de um dos nossos patrocinadores, o maravilhoso néctar “Terras de Nisa” do Joaquim Figueiredo Reizinho.
Por volta das 11h00 a Fernanda e o Pimpão deram-me boleia até à Av. D. Dinis, levantei dinheiro no multibanco da CGD e eis que surge o autocarro da Eurolines, foi pontual! Partimos às 11h30, sem foguetes mas com muita gente para a despedida: familiares e amigos, com direito a fotos e tudo! Foram momentos de alguma emoção, afinal iriam ser mais de 30 dias fora de portas! Fizemos logo uma primeira paragem em Castelo Branco, para nós foram penas 40 minutos de viagem, mas para quem já vinha de Faro foi se calhar um alívio, até porque eram 12h10 e os estômagos já começavam a dar horas! Almoçamos na companhia de 3 emigrantes de Nisa que regressavam a França. O local escolhido pelos motoristas foi um self-service de nome “O Roxo” na Zona Industrial da cidade e digo-vos que por 5 € comemos muito bem, com direito a café e tudo!
Retomada a viagem e antes de entrarmos em Espanha, passámos pelo Fundão, Covilhã e Belmonte para apanhar passageiros. Às 16h30 e após uma curtíssima paragem em Vilar Formoso, entrámos em Espanha. Por volta das 20h30 (hora espanhola) efectuámos uma paragem de 45 minutos para jantar, um pouco antes de Burgos. Era um pouco estranho pensar que, alguns dias depois, estaríamos por ali a passar de novo, em sentido contrário e a penantes!

Era meia-noite, quando efectuámos nova paragem desta feita na cidade de Vitória, achei engraçado termos passado por uma garagem de nome “garagem Nisa”, a tantos km da nossa terrinha e o acaso a pregar-nos partidas destas! Parámos em Vitória porque o carro precisava de reabastecer e a maior parte de nós também! Pela minha parte fiquei-me apenas por uma paragem higiénica! O relógio a queimar a 01h00 da manhã e nós a entrarmos em França por Hendaye. Entretanto já o meu cunhado Delfino me tinha mandado sms e ligado a dizer que teriam que o ir levar a Saint-Jean-Pied-de-Port uma vez que se mantinha a greve dos comboios em França. Bom, descontando transtornos de última hora e vistas as coisas pelo lado positivo, pelo menos juntar-se-ía a nós bem mais cedo do que se fosse de comboio, pelo que teríamos tempo de sobra para tratar de tudo. Chegámos a Bayonne à 01h35 da matina, o autocarro parou junto à Gare local, na Place Pereire, no Bairro de Saint Esprit, a primeira parte da nossa viagem chegava assim ao fim!
A noite e madrugada em Bayonne

Pese embora todos os planeamentos mais que delineados para a preparação destas andanças, temos que contar sempre com os chamados imprevistos e logo à chegada a Bayonne confrontámo-nos com o primeiro deles: a gare estava fechada! Bonito! Mais tarde viemos a saber por um dos responsáveis que fechava durante a noite por causa dos “clochards” (vagabundos)! A placa com o horário dizia-nos que fechava às 24h00 e só reabria às 06h00! Acabavam de se esfumar os nossos planos para uma noite, mais ou menos dormida, dentro do saco cama nos bancos da gare!
São 03h00 da manhã quando escrevo as primeiras linhas deste diário e digo-vos que o sítio mais acolhedor que conseguimos arranjar foi o acesso ao parque de estacionamento da gare, coberto por um telheiro sob o qual existia um pequeno passeio onde colocámos as mochilas e os bastões. À medida que a madrugada avançava fomos vendo e ouvindo alguns transeuntes bastante alegres que começavam a sair dos bares e discotecas à procura de táxi para regressarem a casa, não vimos um único polícia em toda a noite, o que, em meu entender, poderia pressagiar tratar-se de uma cidade calma e pacífica! Instalados que estávamos, tentámos então descansar o melhor possível!
Mais tarde fomos interpelados por um português (acreditem que é verdade! Nem isto se passava sem aparecer um português!) que queria lume para cigarros, com uma história meio estranha que nunca chegámos a entender muito bem, andava meio perdido pela cidade à procura de alguém que tinha ficado de o ir ali buscar. Entretanto instalou-se furtivamente na gare e lá tinha estado a “passar pelas brasas”. Já perto das 06h00 o Pimpão dirigiu-se aos escritórios da gare e falou com um dos responsáveis que foi muito simpático e explicou toda a situação, acrescentando que a gare até poderia abrir depois da 06h00 em virtude da greve. Entre o telheiro e a entrada da gare e o banco de uma paragem de autocarros, lá fui dormitando entrementes.
A gare abriu de facto meia hora mais tarde, às 06h30, instalámo-nos de imediato nos bancos para descansar um pouco mais, até à abertura das bilheteiras e eu a fazer figas para que estas abrissem à hora certa (08h00), pois o autocarro (substituto do comboio, a linha estava em obras até Junho) era às 08h10. Pouco depois da gare abrir lá foi entrando o primeiro sem-abrigo, cabelo e barba compridos e descalço, qual fantasma de Santiago! Restava-nos aguardar serenamente até às 08h00!

Texto: Sérgio Cebola
Fotos:
- Partida de Nisa: José Carlos Monteiro
- Gare de Bayonne: http://fr.wikipedia.org/wiki/Fichier: Gare_de_Bayonne.JPG
- Bayonne à noite: www.beaucoupdimages.com/2007_01_01_archive.html

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