quarta-feira, 4 de maio de 2011

Diário do Caminho Português: 8º Dia, 16 de Abril, Caldas de Reis/Teo (30,9 km)













A partir das 03h30 da manhã já pouco ou nada dormi até à alvorada geral que foi pelas 05h45. Fui à casa de banho algumas vezes com diarreia e algum mal estar no estômago. Primeiro suspeitei de fosse intoxicação alimentar e voltei a lembrar-me do jantar do dia anterior cujo aspecto geral da comida não me tinha agradado muito. No entanto não vomitei e a diarreia deu tréguas! Mas a sensação de mal estar e de enfartamento persistiu! Logo pressenti que a jornada não iria ser fácil e de imediato veio-me à memória a última etapa do Caminho em 2010 (de Finisterra para Múxia), onde também tive um dia duro devido a uma maleita semelhante! Mas tinha que reunir todas as energias disponíveis e ir aos limites se necessário! Por isso à hora marcada pus-me a pé, lavei-me, vesti-me, arrumei a trouxa na mochila! Já tinha tomado uma pastilha Maalox Plus que aliviou ligeiramente a coisa. Socorri-me de comprimidos Figatil que o Alexandre tinha dado ao Pimpão, tomei logo um. Não quis comer nada, tive algum receio, apenas bebi muita água para não desidratar, comeria mais tarde! Às 06h40 da manhã retomámos o Caminho, desta feita em direcção ao albergue de Teo. Comecei a suspeitar que fosse uma gastroenterite ou algo do género, o que mais me afligia era uma sensação de enfartamento, estômago inchado. Mais tarde lembro-me de comentar com o Alexandre (que também tinha sentido algo semelhante durante a noite...) que estas situações podem surgir fruto um pouco da vida de andarilho, comer aqui e ali, fora da rotina habitual, enfim uma serie de situações que podem criar predisposição para o organismo entrar em conflito. Comecei então a chegar à conclusão que se trataria de uma descarga da vesícula ou da bílis, figadeira, enfim... parafraseando o Amigo Alexandre "...nós vamos judiando o fígado e ele depois se queixa..". Um pouco antes de chegarmos a Pontecesures, fomos "controlados" pela Guardia Civil que nos pediu as credenciais do peregrino, isto tudo por causa das fraudes e roubos praticados por falsos peregrinos. Um pouco antes deste controlo e a muito custo lá consegui comer uma barrita de cereais que o Pimpão me tinha dado (acabou por me dar 2...). Em Pontecesures no café-bar Táxi lá consegui comer 2 torradas com manteiga e um pacote de sumo. Já nas imediações de Padrón voltámos a cruzar-nos com o simpático grupo de alunos peregrinos. Foi também por esta altura que conhecemos uma peregrina japonesa muita simpática, a Mamiko Katayama, trazia uma mochila enorme (mais tarde viemos a saber porquê...). Estava há alguns meses a estudar em Londres. Com o rio Sar ao nosso lado lá fomos entrando em Padrón, parecia haver por ali uma grande feira, pois havia carroceis e barracas por todo o lado. Visitámos a Igreja de S. Tiago para contemplarmos o padrão onde foi amarrada a barca do Apóstolo que deu o nome a esta cidade. No interior da Igreja agradeci a Santiago ter-me dado forças para ali chegar, pois foi nesta fase que me senti pior. Fizemos questão de aqui carimbar a credencial pelo simbolismo que este local tem no contexto geral do Caminho Português! Quando retomámos a travessia de Padrón, mandei o pessoal para a frente, eu queria ir a uma farmácia comprar uma pomada que me fazia falta e comprimidos para a minha maleita. Desviei um pouco do Caminho e lá fui. A simpática farmacêutica após lhe comunicar os meus sintomas indicou-me o motilium, deveria tomar 2 cerca de meia hora antes de cada refeição. Li as indicações terapêuticas e eram mesmo aquele tipo de sintomas que eu estava a sentir. Ao retomar o Caminho e já na saída da cidade o Rosalino tinha ficado para trás para esperar por mim. Deu-me um comprimido para mastigar cinet e algum tempo depois comecei a sentir-me bastante melhor, a sensação de enfartamento começava a desaparecer! A sede apertava cada vez mais, bebi muita água. Já não muito longe de Teo, parámos num café, para descansar um pouco e beber algo. Eu bebi meio litro de água e o Rosalino uma cerveja e uma tapa de arroz com lulas. Mais à frente os nossos companheiros também descansavam um pouco antes da tirada final até ao albergue de Teo, penso que numa localidade de seu nome Faramello. Deixámos os nossos amigos a descansar um pouco mais e arrancámos para uma ponta final muito rápida da nossa parte, eu ansiava por chegar ao fim, tirar a mochila, tomar banho e descansar. Confesso que fiz esta ponta final em "piloto automático", foram as últimas energias a virem ao de cima, cheguei ao albergue de Teo nos limites, no "red line"! Mas consegui! Conseguimos! Eram 14h35 quando tirei a mochila das costas, já no interior do albergue. O restante pessoal chegou pouco depois. O banho foi de facto revigorante! Aproveitei para lavar roupa e por a enxugar, havia sol e algum vento. Quando me deitei na cama para um par de horas de sono e descanso, a jornada passou-me como um flash pela mente, antes da sesta merecida telefonei ao meu pai que fazia 68 anos. Levantei-me por essas 19h30, precisava de comer algo mais consistente, pois até esta altura apenas tinha comido 2 barritas de cereais, 2 torradas com manteiga, um sumo e muita água. Lá fomos até ao restaurante que ainda distava um pouco do albergue, fez-nos companhia a Mamiko. Comi uma quantidade generosa de caldo galego e pêssego em calda. O Alexandre sentiu-se pior e nem jantou, recolheu ao albergue. Foi nesta altura que falei um pouco mais com a Mamiko, puxei do meu melhor inglês e, entre outras, coisas expliquei-lhe o que se tinha passado comigo durante o dia e também que o Alexandre estava com uma indisposição e não iria jantar. Ela ficou muito preocupada, mas disse-lhe que tudo ficaria bem! Após a janta comprámos mantimentos para a manhã seguinte e recolhemos ao albergue, eu e o Pimpão, o Leonel e a Mamiko foram a um café procurar por internet e o Rosalino e o António Delfino ficaram ver um jogo de futebol no restaurante. Como a hospitaleira já estava no albergue aproveitámos para nos registar. O Alexandre já estava melhor, mas ainda assim tinha lançado fora. Mas contava que uma boa noite de sono limpasse o organismo. A Mamiko que , entretanto chegara, abriu a mochila em cima da sua cama e começou a sacar montes de frascos de cremes..., um deles caiu e ía apanhando o bom do Alexandre..., a Mamiko desfez-se em mil desculpas..., foi um momento hilariante! Estava explicado o peso e o volume da mochila da Mamiko! Confesso que ainda ponderámos e reflectimos sobre a continuidade da travessia até Finisterra, tendo em conta as maleitas que se faziam sentir, inclusive o António Delfino também se queixava de uma lesão muscular numa das pernas! Esperaríamos pela manhã seguinte para ver como nos iríamos sentir. O albergue era muito tranquilo. O simpático grupo de estudantes peregrinos deveria ter continuado para Santiago, pois não tinham ficado neste albergue.

Fotos: António Delfino, António Pimpão e Leonel Gomes

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