terça-feira, 8 de abril de 2014

Via da Prata I (Sevilha - Salamanca)

Dia 31 Março de 2013 (Dia de Páscoa)

b) Santiponce – Guillena (12,8 km) + Castilblanco de los Arroyos (18,2 km)


Tive que esperar que o dia acordasse para partir, o que fiz quando eram 07H15, saí com chuva, por uma estrada secundária cerca de 1 km e depois de passar por baixo da autoestrada, onde se encontrava uma patrulha da guarda civil, sigo as setas que me direcionam à esquerda para uma reta sem fim de terra batida ao serviço das águas de Sevilha, entre vastos campos.

Comecei a vislumbrar lá longe uma torre muito alta, vejo árvores que me indiciam uma linha de água, tinha entrado nesta pista de terra batida há 4 km quando me deparo com o “Arroyo de los Molinos”, conforme me vou aproximando verifico que não se trata de um simples obstáculo, mas de um grande problema, acredito que noutra altura do ano facilmente se transpõe, mas agora há que procurar solução e na verdade, percorro a margem e não vislumbro nada de bom, descalço as botas, ensaio alguns sítios para passar, impossível, muito fundo, sigo um trilho para o lado direito, um tronco atravessa o ribeiro até pouco mais de meio do leito, respiro fundo, tinha que me decidir, arregaço as calças até onde posso, verifico os haveres, para não cair nada, dou mais um aperto na mochila, como se isso valesse de alguma coisa, dou um nó nos cordões das botas que coloco ao pescoço, vejo uns chinelos a boiar na agua, certamente de alguém que por ali teria passado antes de mim, esperançoso que do lado de lá não fosse tão fundo, subo para o tronco e inicio a travessia, não há volta a dar, agora é seguir em frente, atinjo o fim do tronco e vejo que me separam ainda uns dois metros da outra margem, verifico o fundo com o guarda-chuva, fiel amigo que me acompanha sempre, a fundura era ainda considerável, mas já não ia voltar atrás, atiro o guarda-chuva para a outra margem enlameada, curiosamente fica espetado na lama tipo lança, tento sentar-me no tronco, escorrego e dou por mim com água de agua pela à cintura, tento pôr-me em bicos de pés para não molhar a mochila e sinto os pés a entrar na lama, deito a mão a um ramo de árvore e consigo, em esforço, soltar um dos pés e balancear-me para a margem, consegui atingir o outro lado, ainda com os pés na água observo agora o que fiz, ainda com o coração na boca penso no que poderia ter acontecido se em vez de cair de pé, tivesse caído de outra forma, com a mochila e todo o peso que transporto e amaldiçoo-me em voz alta por ser tão inconsciente e burro, aqui sozinho e a chover não o devia ter feito, sigo a margem até atingir de novo o caminho, tiro a mochila, dispo as calças molhadas, torço-as o mais que posso, visto-as de novo, limpo os pés, calço as meias e as botas, respiro fundo e observo agora do lado de cá, fico ali alguns minutos a agradecer silenciosamente, sei que não estou sozinho, sinto-o pela primeira vez, levanto-me, coloco a mochila às cotas e sigo viagem sem sequer olhar para trás…

(soube posteriormente que meio km antes do “Arroyo de los Molinos” existe um caminho á esquerda que conduz á Nacional 630, onde depois de 2,5 km se entra na A-460 por mais 4 km até se atingir Guillena)

… Depois de ultrapassado o “arroyo” caminhei em linha reta 3,5 km, já com Guillena à vista, voltei á direita e algum tempo depois á esquerda por um caminho completamente alagado até atingir outro arroyo o “Galapagar”, desta vez não arrisquei, segui por um trilho à esquerda ao longo da margem, até atingir a estrada e entrar assim em Guillena eram 10H30, dirigi-me ao albergue para me preparar para o que faltava ainda da etapa, lavar-me e comer algo, mas dado que o albergue para além de estar ainda encerrado se encontra na saída da povoação e não haver nenhum bar nas redondezas, segui em frente para os restantes 18 kms que me faltavam ainda.

Bom, normalmente o caminho prossegue com o atravessamento do rio “Rivera de Huelva”, mas estava destinado a não atravessar mais nenhuma linha de água hoje, passei na ponte alguns metros a montante e segui pela estrada, por pouco tempo, já que continuei de novo por caminhos, passei pela “Dehesa del Cortijo del Chaparral”, comi uns frutos secos, roubei uma laranjas e encontrei os primeiros peregrinos do caminho, um casal francês, Isabel e Daniel que viria a encontrar no albergue, apanhei algum alcatrão ainda antes de chegar e atingi o meu objectivo, Castillo Blanco do los Arroyos às 15h00.  

Bom, devido a ter sido dos últimos a chegar ao albergue, que se encontrava a abarrotar de peregrinos alemães e franceses na sua maioria, tomei banho de água fria, lavei a roupa imunda da passagem matinal pelo arroyo, limpei as botas e fui comprar comida por estar faminto e também para o pequeno-almoço do dia seguinte, voltei ao albergue e comi que nem um desalmado na companhia de um peregrino alemão a quem convidei a juntar-se a mim, de seguida fui verificar a roupa e constato que dificilmente enxugaria até ao dia seguinte, conheço o hospitaleiro Francisco Ruzafa, voluntário, de Barcelona, uma pessoa muito prestável que se disponibiliza para me secar a roupa na secadora que possui nos seus aposentos e dá-me jornais que me apressei a colocar dentro das botas para que secassem melhor, decidi dar 10 euros de donativo para o alojamento e ofertei-lhe um dos galhardetes que levei para esse efeito.

Fui jantar, menu peregrino, bebi um café e um anis que me soube mal para caraças, no regresso o Francisco diz-me que andavam ali a rondar umas pessoas pouco recomendáveis e pede-me se me importo de dar uma olhadela por ali até que ele jante, tarefa para a qual me disponibilizei de pronto, no regresso conversamos um pouco, disse-me que já fez o caminho central desde o Porto, trocámos os nossos endereços de email e fui dormir que bem precisava.

O mau estado de alguns caminhos provocado pelas fortes chuvas que se tinham feito sentir e algumas linhas de água com o caudal acima do normal foram a nota de marca desta etapa.

Texto: António Pimpão

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