terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O Caminho Português de Santiago (I)



É na rede intrincada de itinerários jacobeus provenientes de todos os cantos da Europa que se enleiam os que têm origem em Portugal e tantos eles são quantas são as possibilidades reais de acesso de cada local ao túmulo do Apóstolo. Mas entre todos, assume particular relevo a estrada real Porto-Barcelos-Valença, onde confluem quase todos os demais, reforçando este percurso como a espinha dorsal dos caminhos portugueses de Santiago. Foi este o itinerário escolhido pela maior parte dos peregrinos que demandaram Santiago, pelo menos a partir do início do séc. XIV, o que bem se demonstra pelos inúmeros relatos que se conservam nos arquivos compostelanos e nas referências conhecidas aos seus caminheiros mais ilustres a Rainha Santa Isabel, Leão de Rotzmithal, Jerónimo Münzer, el-Rei D. Manuel, Confalonieri, Albani, e provavelmente também S. Francisco de Assis, o Beato Francisco Pacheco e tantos outros egrégios peregrinos que a memória não registou.

Com efeito, com a conclusão da ponte de Barcelos em 1325 e a remodelação da de Ponte de Lima na mesma época, foi possível criar um percurso rectilíneo que evitava a inflexão por Braga e a travessia a vau ou em barca dos rios mais perigosos. Rates, Barcelos, Ponte de Lima, Valença, Tui, Redondela, Pontevedra e Caldas de Reis definiram o novo itinerário medieval do Porto a Santiago, tendo apenas em comum com a velha via militar romana um ou outro troço urbano e as pontes ainda em uso para vencer as ribeiras mais buliçosas.

Foi também este percurso o comummente utilizado pela população que se movimentava de sul a norte na província de Entre-Douro e Minho e que não descurava a rapidez, a segurança e a comodidade. Por aqui correram multidões de gente anónima, caminheiros, viajantes, almocreves, mercadores, feirantes e romeiros. Foi percorrido pelas forças regulares, pelas Campanhas de Ordenanças, pela tropa-fandanga e por chusmas de aventureiros, de bandidos e de contrabandistas. Foi palco de escaramuças, de assaltos e de emboscadas, viu passar toda a sorte de gente e testemunhou cinco séculos de agitado relacionamento entre dois povos irmãos que o Destino não quis juntar. Os esquadrões de Soult ainda o percorreram em 1809 e nas refregas fratricidas que marcaram profundamente a viragem do regime, no segundo quartel do século XIX, deu o seu derradeiro contributo para o precário sistema de comunicações ao tempo disponível.

Foi a estabilidade que se começou a desenhar com a Regeneração que determinou o fim da velha estrada real. O fomento de uma nova rede de acessibilidades alterou profundamente o status quo e fez disparar um esforço de desenvolvimento que não se compadecia das relíquias de um passado arcaico e obsoleto, em tudo desconforme com o novo ideário.

É neste quadro e particularmente no Entre-Douro e Minho, que assume inusitada dimensão a política de melhoramentos empreendida por Fontes Pereira de Melo. Logo no início da década de 50 (bem entendido 1850) uma nova estrada alcança Viana, transpõe o Lima numa soberba ponte metálica e prolonga-se até Caminha e Valença. Uma outra, procedente de Braga chega a Ponte de Lima, para gáudio da população, que para um trajecto de seis léguas tinha uma jornada inesquecível por cangostas e lamaçais, com saltos de poldra em poldra. Enquanto isto, também a linha dos Caminhos de Ferro vai crescendo atinge Valença em 1882 e penetra em Espanha quatro anos depois. Barcelos e Ponte de Lima deixarão de ser pontos de passagem obrigatória nas deslocações norte-sul e Viana, já cognominada do Castelo, assume claramente a hegemonia e a liderança política e administrativa do Alto Minho.

Fonte: Guia do Caminho Português de Santiago, reedição de 2004
Associação dos Amigos do Caminho Português de Santiago
Foto: Ponte Medieval de Vilarinho (1ª etapa: Porto - Vilarinho/Vila do Conde)
Autoria: Samuel Santos

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