sábado, 29 de maio de 2010

O Diário do Caminho : 2º Dia, 20 de Abril, Roncesvalles - Larrasoaña


Após a dureza dos Pirinéus, esta etapa foi bem mais plana e com passagem por muitos “pueblos” (povoações). Saímos às 07h00 e 3 km depois parámos em Burguete para o nosso primeiro “desayuno” (pequeno-almoço) no Caminho: bocadillos de tortilha, de presunto e de fiambre com queijo, acompanhados de leite com chocolate. Cá fora, à porta do bar passeava-se um bonito cão de raça Husky que, simpaticamente, posou para a fotografia com o António Delfino. Presumi que o cão fosse do dono do bar.

Em Lintzoain protagonizámos um dos primeiros momentos solenes do Caminho: a despedida da última “botella” do “Terras Nisa”! Após passagem pelo Alto do Erro a 840 metros de altitude (com miradouro para apreciar as vistas), deparou-se-nos uma descida com cerca de 3,5 km bastante sinuosos até Zubiri, com troços do Caminho em muito mau estado, com muitos buracos, ainda assim por nós passaram alguns ciclistas mais destemidos pedalando a velocidade considerável. Já tinha lido alguns relatos na internet sobre esta descida até Zubiri, com mau tempo inclusive.
Já em Zubiri comprámos pão, presunto e cerveja e “forrámos” os estômagos num local aprazível, junto à ponte sobre o Rio Arga. Entretanto lá foram passando alguns peregrinos, um grupo de brasileiros e um canadiano um pouco mal tratado. Após o repasto, o Delfino banhou os pés na límpida corrente do Rio Arga, eu não resisti e também fiz o mesmo e digo-vos que foi uma verdadeira bênção para os pés, que já vinham bastante quentes quer do andamento quer do calor que se fazia sentir. Ali estivemos, um primeiro e depois o outro, a desfrutar, relaxando um pouco, afinal eram momentos como este que iríamos certamente recordar para todo o sempre!


Por volta das 14h30 chegávamos a Larrasoaña e também ao final da 2ª etapa, com mais 28,8 km para o currículo! Tivemos uma tarde inteira que deu para tratar de tudo: tomar banho, lavar e estender roupa, comprar comida para o dia seguinte, conhecer a vila, beber umas “canhas” e comer umas “tapas”, ou seja, usufruir também um pouco do outro lado do Caminho! O albergue onde ficámos era pequeno, simpático e acolhedor e perto dele jantámos, num restaurante também ele simpático! Escolhemos a ementa do peregrino: “ensalada” mista com atum, “ternera” (vitela) estufada, pão, vinho, água, café solo e “chupito” (aguardente branca). Connosco jantou o grupo de brasileiros que encontrámos em Zubiri e uma alemã muito faladora e que se estava sempre a rir, achou piada aos nossos “chupitos” e quis também provar! Por volta das 22h00 recolhemos ao albergue, era bom não esquecer que o descanso era primordial para vencermos as etapas do dia-a-dia!

Texto: Sérgio Cebola
Fotos: António Delfino
1 – Início da 2ª etapa em Roncesvalles
2 – Igreja de Burguete
3 – O Husky de Burguete, posando com o Delfino
4 – Em Lintzoain, nos preparativos para a despedida da última “botella” “Terras de Nisa”
5 – Zubiri, ponte sobre o rio Arga
6 – Zubiri, Rio Arga (durante o lava pés)
7 – Em Larrasoaña

sexta-feira, 28 de maio de 2010

O Diário do Caminho : 1º Dia, 19 de Abril, Saint-Jean-Pied-de-Port – Roncesvalles (o inicio)



A alvorada ocorreu às 06h00 da manhã, era importante começar cedo para chegarmos cedo, sempre teríamos mais tempo para organizar as coisas para o dia seguinte, para conhecer os locais e, acima de tudo, para descansar. Após um pequeno-almoço muito completo, mochilas às costas e lá nos fomos encaminhando para a Rue d’Espagne até à mítica Porte d’Espagne, a porta aberta para o Caminho Real Francês de Santiago, a porta de todos os sonhos, a porta que tantas vezes tinha preenchido o nosso imaginário estava, finalmente, ali à espera que a franqueássemos e começássemos a palmilhar os quase 800 km até à tumba do Apostolo Santiago Maior! Pedimos a uma senhora que nos tirasse uma foto de grupo à partida e, após as nossas saudações mútuas da praxe de “Bom Caminho”, iniciávamos oficialmente a travessia do Caminho Francês, eram 07h00!


Bastou dar os primeiros passos e contemplar as primeiras paisagens para que, todo aquele nervoso miudinho e ansiedade, desaparecessem num ápice! Os 5 km iniciais até Huntto e os 3 imediatamente a seguir até Orisson (último refúgio em solo francês), são de facto terríveis para quem não está habituado a subir, um verdadeiro frente a frente entre o Homem e a Montanha! Eu francamente confesso que prefiro subir a descer e aprendi, ao longo dos últimos 10 anos, algumas técnicas que me ajudam quer a subir quer a descer, mas reconheço que, para o pessoal que não esteja muito rotinado com este tipo de actividade, não seja tarefa fácil, por isso o melhor mesmo é cada um subir ao seu ritmo, até porque trata-se de uma caminhada e não de uma corrida! E também era bom não esquecer que pela frente tínhamos quase 22 km a subir Pirenéus acima, pelo que seria de bom senso gerir muito o bem o esforço e tirar partido da fantástica paisagem que nos rodeava! Por nós passou, um pouco antes do começo da subida, o primeiro peregrino, um belga de nome André e que levava uma passada considerável, era o início e estava tudo muito fresco (ainda…)!


Cumpridos os 8 km iniciais (os mais duros a meu ver…) efectuámos uma primeira paragem para descanso e reabastecimento no Albergue de Orisson que tinha bar e esplanada com uma vista esplendorosa. Comprámos uma garrafa de “rouge” para regar os nossos “comes”, ainda trazidos de Nisa: empadas, queijo e lombo! Pararam também neste Refugio os primeiros 2 ciclistas do Caminho e pasmem-se, portugueses do Porto! O mundo é mesmo pequeno! Aqui conhecemos também a primeira peregrina, a brasileira Cristiane (a Cris) que nos tirou uma foto de grupo com os ciclistas portugueses. Disse-nos que tinha até 8 de Maio para fazer o Caminho, não seria tarefa fácil, mas como ela é maratonista…!

Após o conforto do corpo e da alma, lá continuámos Pirenéus acima rumo à Virgem de Orisson (ou Virgem de Biakorri), que se ergue imponente no alto de uma rocha a 1.095 metros de altitude. Neste local conhecemos um espanhol (basco) de Vitória. Junto ao Cruzeiro do Monte Leizar-Atheca, a 1.409 m de altitude, tirámos algumas fotos junto à placa de madeira que indicava o caminho para Roncesvalles, “Roncevaux-Orreaga”, em francês e em basco, pois então! Efectuámos uma breve paragem um pouco mais à frente devido a uma indisposição do Castro, provocada por uma laranja, mas a coisa melhorou e lá continuámos. À medida que se aproximávamos da cota de maior altitude, as subidas começavam a ser mais suaves e menos prolongadas, apanhámos também alguma neve nas zonas mais altas e mais sombrias. Após passagem pelo Collado Bertantea (1.344 m de altitude), no meio de uma zona de bosque alcançamos uma placa em pedra com a designação “Saint Jacques de Compostelle 765 kms”, uma distância de respeito! Mais à frente efectuámos nova paragem num local memorável: na Fonte de Roland, com uma água de excelente qualidade e muito fresca, erigida neste local talvez em homenagem ao Conde Rolando, sobrinho de Carlos Magno, que morreu junto aos seus homens durante a batalha de Roncesvalles contra os sarracenos, em 15 de Agosto de 778. Local aprazível para descansar e comer mais qualquer coisa, enquanto trocámos algumas impressões com peregrinos que iam passando. Aqui encontrámos também um curioso grupo de 4 franceses, 1 deles com uma mochila que pesava 14 kg!? (e eu preocupado com a minha de 8…), que andavam a fazer uma travessia pelos Pirenéus, costumavam juntar-se de vez quando para fazerem tiradas a pé de 8 dias seguidos.



Retomámos o Caminho e soubemos por um peregrino espanhol que as coutadas de caça à nossa direita já eram território espanhol, mas a fronteira foi transposta, um pouco mais adiante, junto a um marco de pedra que assinalava a entrada na província da Navarra (com a inscrição também em basco: Nafarroa). Outra breve pausa higiénica junto a um abrigo de montanha, muito bem equipado com lareira fechada e lenha quanto baste, não fosse o tempo pregar das tais partidas não muito agradáveis, especialmente, quando se anda em montanha. E eis que aos 21,5 km desta etapa, quase sempre a subir, alcançávamos finalmente a cota mais alta do dia: o Collado Lepoeder, a 1.430 m de altitude! Registámos o momento em foto, como não poderia deixar de ser e preparamo-nos então para descer os 4 km finais até Roncesvalles. Não descemos pelo troço principal que seguia bosque abaixo, por estar em demasiado mau estado e não oferecer condições de segurança, respeitámos as indicações no local e descemos por trilho alternativo e digo que em boa hora o fizemos, porque, mal iniciámos a descida, começou a chover e só parou com a nossa chegada às imediações de Roncesvalles. Chegámos às 16h45 e registámo-nos no Albergue da Colegiata, muito grande e bem equipado, com máquina de lavar e secar e internet. Este albergue tinha muita gente porque muitos começavam o Caminho em Roncesvalles, para fugir à dureza da 1ª etapa. Voltámos e encontrar a Cris que também ficou neste Albergue e penso que o André também.


Uma etapa dura e decisiva para encarar todas as restantes com mais confiança, 21,5 km a subir, 1.280 metros de desnível acumulado e cerca de 4 km de descida acentuada. O Delfino acusou de inicio a dureza dos primeiros km mas, pouco a pouco, foi ganhando confiança e com calma conseguiu também alcançar o objectivo do dia. Após um banho revigorante e algum descanso, fomos ver o que nos ditavam os “menus do peregrino” e, após alguma reflexão temperada com as primeiras “canhas”, optámos por trutas, especialidade desta zona, como já anteriormente tinha feito menção. Uma vista de olhos rápida pela internet e às 22h00 era tempo de recolher para uma merecida noite de sono, qual “poção mágica” para recarregar baterias para a continuação da nossa odisseia que ainda agora estava no começo!


Texto: Sérgio Cebola
Fotos:
1 – Porte d’Espagne, Saint-Jean-Pied-de-Port
(António Pimpão)
2 – André, peregrino belga
3 – Ciclistas portugueses (do Porto), junto ao Albergue de Orisson
4 – Virgem de Biakorri
5 – Perspectiva dos Pirenéus
6 – Junto ao Cruzeiro do Monte Leizar-Atheca
7 e 8 - Collado Bertantea
9 – Fronteira França/Espanha (inicio da Província da Navarra)
10 – Collado Lepoeder (António Delfino)

quinta-feira, 27 de maio de 2010

O Diário do Caminho : 18 de Abril, Saint-Jean-Pied-de-Port








Enquanto aguardávamos que a bilheteira da gare abrisse, aproveitámos para tomar o primeiro pequeno-almoço fora de portas, trazíamos farnel que chegava para os primeiros 2 ou 3 dias do Caminho, pelo que aliviar carga era preciso! Começavam também a chegar os primeiros peregrinos, facilmente reconhecíveis: mochilas, bastões e a famosíssima concha (vieira) de Santiago! O Castro foi marcar lugar à porta da bilheteira, seríamos os primeiros, era um merecido prémio para quem tinha passado uma noite quase em claro, nem para ver o Benfica esperei tanto tempo por um bilhete!

Quando acabei de comer e já muito perto das 08h00 fui render o Castro, atrás de mim estava uma peregrina italiana que, com um sorriso rasgado, se virou para mim e perguntou “Santiago?” e eu acenei afirmativamente. É reconfortante saber, de certa forma, que não estamos sozinhos! Comprei os bilhetes (8,60 € cada) e encaminhei-me para onde estavam o Castro e o Pimpão e lá fomos até ao autocarro 40543 que nos levaria até Saint-Jean-Pied-de-Port (SJPP) (já trazia o nº do autocarro memorizado desde Nisa, a Internet faz milagres…). A paragem situava-se num largo à direita da gare, o motorista foi muito simpático e deu para ver que, se houvesse atrasos na venda dos bilhetes, ele esperaria por toda a gente!

Uma viagem de 1h20 (cerca de 66 km), muito idílica: imensas paisagens verdejantes, os Pirenéus, imensas linhas de água e pescadores de trutas (prato típico da zona). Deu para ver que todos os passageiros iam fazer a rota do Apóstolo e o que mais me chamou a atenção foi um grupo de 5 coreanos (pelo menos eu achei que fossem coreanos…). Já perto de SJPP ainda dormitámos um pouco, reflexo da noite algo agitada e mal dormida. Às 09h30, junto à gare de SJPP, chegava ao fim a nossa segunda viagem em menos de 24 horas!

Primeiras fotos, primeira troca de impressões e lá fomos dando os primeiros passos de reconhecimento. Logo à partida deu para ver que SJPP tinha um ar bastante medieval, tudo muito típico, tudo muito limpo e arrumadinho no sítio. Fomos passando por alguns locais que reconhecemos de fotos e da Internet, mas que ali, ao vivo tinham outra beleza! Outra constatação facilmente comprovada era a de que SJPP respirava Caminho de Santiago e turismo por todos os poros! Também ali ninguém teria dúvidas que se estava no País Basco, bastava olhar para todas as placas e letreiros, escritos em francês e em basco (Donibane Garazi é SJPP em basco como poderão comprovar na foto). Algumas horas mais tarde, enquanto saboreávamos as primeiras “bierres” em solo francês, deu para escutar uma conversa entre dois anciões, que falavam ora em francês ora em basco, do primeiro idioma apanhava-se muita coisa, mas do último era, definitivamente, para esquecer! Fiquei tão imbuído deste espírito que, horas mais tarde, não resisti em comprar uma boina basca (vermelha, pois então…), que acabou por me ser oferecida pela minha cunhada Margarida!

Chegados ao Centro de Acolhimento do Peregrino na Rua da Citadelle, fomos recebidos por um dos responsáveis da Associação de Amigos do “Chemin de Saint Jacques de Compostelle” que nos carimbou a credencial, forneceu imensa informação sobre a 1ª etapa, em especial, sobre a mítica travessia dos Pirenéus e em troca de um donativo ofereceu-nos uma vieira para por na mochila. De seguida encaminhamo-nos para o Refúgio de peregrinos com o sugestivo nome de “Le Chemin vers L’Etoile” (O Caminho junto às Estrelas…), onde já tinha feito uma reserva por e-mail. Recebeu-nos um dos seus proprietários, Mr. Eric Viotte, também de uma simpatia extrema, pôs-nos logo à vontade, mostrou-nos as instalações: ficámos num quarto para 4 pessoas, com duche e cozinha à nossa disposição e pequeno-almoço incluído, tudo por 15 € por pessoa, muito bom, partindo do princípio que estávamos em França e numa zona muito turística. Deixámos as mochilas e fomos assistir à missa dominical que estava a começar, o Delfino só chegaria por volta das 13h00, tínhamos por isso algum tempo livre.

A Igreja tinha uma arquitectura muito interessante, antigamente designada de Notre-Dame du Pont e actualmente chamada de L’Assomption-de-la-Vierge, foi construída em estilo gótico sobre bases românicas. Não menos interessante foi a missa a que assistimos, cantada em basco e em francês, acompanhada por música de um órgão de tubos, datado de meados do século XIX. Pouco depois das 13h00 lá chegaram o Delfino e companhia: a Margarida, a Sónia, a Sylvie e o Laurent, o motorista de serviço! A chegada foi amplamente comemorada com um almoço conjunto no Refúgio, composto da seguinte ementa trazida de Nisa: tordos e perdiz fritos em vinha-d'alhos, pão do Monte Claro, queijo do Monte Queimado, tudo muito bem regado com vinho “Terras de Nisa” (que fez grande sucesso por estas paragens, como poderão comprovar pelas fotos...). Também houve pizzas na ementa, mas estas compradas já em SJPP.

Após um intenso repasto, nada melhor que um café e armanhaque (armagnac en français…) para rebater a coisa, na esplanada de um bar de SJPP. O amigo Castro quis fazer as honras da casa pagando a despesa e digo-vos meus amigos (só aqui para a gente que ninguém nos ouve...), a quantia despendida daria para nos embebedarmos todos em Nisa, enfim mas um dia não são dias e a ocasião justificava em muito esta pequena excentricidade! E depois meus amigos, armagnac a seguir a tordos e perdiz duplamente regados com tinto..., ok…, estamos perdoados! Cerca das 15h00 Laurent e companhia despediram-se de nós e lá partiram de volta a Joué-Les-Tours, pois a viagem de regresso ainda seria longa, mais de 500 km.

Estávamos então os 4 por nossa conta e risco, entretanto já tínhamos ido com o Delfino ao Centro de Acolhimento ao Peregrino, pelo que aproveitámos o resto da tarde para passeio turístico, comprar pão e comida para o dia seguinte (nada muito exagerado, pois ainda havia farnel de Nisa...), reconhecer o ponto de partida para a 1ª etapa, apreciar as trutas no límpido Rio Nive e, obviamente, beber umas quantas “bierres”!

Jantámos no albergue as sobras do almoço, pois como diz o dito popular “estragar não é grandeza!”. Às 22h00 todos para a caminha que se faz tarde, até porque a primeira etapa não seria para brincadeiras, e, para nos relembrar esse facto, bastava só conjugar nas nossas mentes estas 2 palavras: subida e Pirenéus! Por isso era bom não esquecer a razão da nossa viagem até ao sul de França, pelo que descansar era preciso!

Texto: Sérgio Cebola
Fotos: Saint-Jean-Pied-de-Port, Baixa Navarra, Pais Basco Francês
(inicio, para muitos peregrinos, do Caminho Real Francês de Santiago de Compostela e última etapa do Caminho em solo francês)
Autoria : António Delfino

quarta-feira, 26 de maio de 2010

O Diário do Caminho: 17 de Abril, a partida para França





A viagem de Nisa até Bayonne

Estamos finalmente no dia por que mais almejámos nos últimos tempos, em particular nos últimos 7 meses: o dia da partida para o sul de França, onde iríamos iniciar a travessia do Caminho de Santiago de Compostela. Levantei-me por volta das 09h00 da manhã, mal consegui dormir, tal era a adrenalina e a ansiedade, acho que nenhum de nós conseguiu…! Um banho apaziguador, seguido de um pequeno-almoço reconfortante, verificado (uma vez mais…) todo o equipamento e fechada definitivamente a mochila! A meio da manhã o Castro passou por minha casa e os dois fomos à do Pimpão para distribuir carga, a oferta de um dos nossos patrocinadores, o maravilhoso néctar “Terras de Nisa” do Joaquim Figueiredo Reizinho.
Por volta das 11h00 a Fernanda e o Pimpão deram-me boleia até à Av. D. Dinis, levantei dinheiro no multibanco da CGD e eis que surge o autocarro da Eurolines, foi pontual! Partimos às 11h30, sem foguetes mas com muita gente para a despedida: familiares e amigos, com direito a fotos e tudo! Foram momentos de alguma emoção, afinal iriam ser mais de 30 dias fora de portas! Fizemos logo uma primeira paragem em Castelo Branco, para nós foram penas 40 minutos de viagem, mas para quem já vinha de Faro foi se calhar um alívio, até porque eram 12h10 e os estômagos já começavam a dar horas! Almoçamos na companhia de 3 emigrantes de Nisa que regressavam a França. O local escolhido pelos motoristas foi um self-service de nome “O Roxo” na Zona Industrial da cidade e digo-vos que por 5 € comemos muito bem, com direito a café e tudo!
Retomada a viagem e antes de entrarmos em Espanha, passámos pelo Fundão, Covilhã e Belmonte para apanhar passageiros. Às 16h30 e após uma curtíssima paragem em Vilar Formoso, entrámos em Espanha. Por volta das 20h30 (hora espanhola) efectuámos uma paragem de 45 minutos para jantar, um pouco antes de Burgos. Era um pouco estranho pensar que, alguns dias depois, estaríamos por ali a passar de novo, em sentido contrário e a penantes!

Era meia-noite, quando efectuámos nova paragem desta feita na cidade de Vitória, achei engraçado termos passado por uma garagem de nome “garagem Nisa”, a tantos km da nossa terrinha e o acaso a pregar-nos partidas destas! Parámos em Vitória porque o carro precisava de reabastecer e a maior parte de nós também! Pela minha parte fiquei-me apenas por uma paragem higiénica! O relógio a queimar a 01h00 da manhã e nós a entrarmos em França por Hendaye. Entretanto já o meu cunhado Delfino me tinha mandado sms e ligado a dizer que teriam que o ir levar a Saint-Jean-Pied-de-Port uma vez que se mantinha a greve dos comboios em França. Bom, descontando transtornos de última hora e vistas as coisas pelo lado positivo, pelo menos juntar-se-ía a nós bem mais cedo do que se fosse de comboio, pelo que teríamos tempo de sobra para tratar de tudo. Chegámos a Bayonne à 01h35 da matina, o autocarro parou junto à Gare local, na Place Pereire, no Bairro de Saint Esprit, a primeira parte da nossa viagem chegava assim ao fim!
A noite e madrugada em Bayonne

Pese embora todos os planeamentos mais que delineados para a preparação destas andanças, temos que contar sempre com os chamados imprevistos e logo à chegada a Bayonne confrontámo-nos com o primeiro deles: a gare estava fechada! Bonito! Mais tarde viemos a saber por um dos responsáveis que fechava durante a noite por causa dos “clochards” (vagabundos)! A placa com o horário dizia-nos que fechava às 24h00 e só reabria às 06h00! Acabavam de se esfumar os nossos planos para uma noite, mais ou menos dormida, dentro do saco cama nos bancos da gare!
São 03h00 da manhã quando escrevo as primeiras linhas deste diário e digo-vos que o sítio mais acolhedor que conseguimos arranjar foi o acesso ao parque de estacionamento da gare, coberto por um telheiro sob o qual existia um pequeno passeio onde colocámos as mochilas e os bastões. À medida que a madrugada avançava fomos vendo e ouvindo alguns transeuntes bastante alegres que começavam a sair dos bares e discotecas à procura de táxi para regressarem a casa, não vimos um único polícia em toda a noite, o que, em meu entender, poderia pressagiar tratar-se de uma cidade calma e pacífica! Instalados que estávamos, tentámos então descansar o melhor possível!
Mais tarde fomos interpelados por um português (acreditem que é verdade! Nem isto se passava sem aparecer um português!) que queria lume para cigarros, com uma história meio estranha que nunca chegámos a entender muito bem, andava meio perdido pela cidade à procura de alguém que tinha ficado de o ir ali buscar. Entretanto instalou-se furtivamente na gare e lá tinha estado a “passar pelas brasas”. Já perto das 06h00 o Pimpão dirigiu-se aos escritórios da gare e falou com um dos responsáveis que foi muito simpático e explicou toda a situação, acrescentando que a gare até poderia abrir depois da 06h00 em virtude da greve. Entre o telheiro e a entrada da gare e o banco de uma paragem de autocarros, lá fui dormitando entrementes.
A gare abriu de facto meia hora mais tarde, às 06h30, instalámo-nos de imediato nos bancos para descansar um pouco mais, até à abertura das bilheteiras e eu a fazer figas para que estas abrissem à hora certa (08h00), pois o autocarro (substituto do comboio, a linha estava em obras até Junho) era às 08h10. Pouco depois da gare abrir lá foi entrando o primeiro sem-abrigo, cabelo e barba compridos e descalço, qual fantasma de Santiago! Restava-nos aguardar serenamente até às 08h00!

Texto: Sérgio Cebola
Fotos:
- Partida de Nisa: José Carlos Monteiro
- Gare de Bayonne: http://fr.wikipedia.org/wiki/Fichier: Gare_de_Bayonne.JPG
- Bayonne à noite: www.beaucoupdimages.com/2007_01_01_archive.html

terça-feira, 25 de maio de 2010

O Diário do Caminho



Volvidos que estamos a casa, após 32 dias além-fronteiras, 30 dos quais a percorrer o Caminho Real Francês de Santiago de Compostela, desde o sul de França, em Saint-Jean-Pied-de-Port, no sopé dos Pirenéus, até Fisterra e Múxia, na costa da Galiza, também conhecida por "Costa da Morte", é tempo agora, e após alguns dias de descanso merecido, de partilhar convosco o dia a dia do Caminho, não de forma exaustiva, até porque alguns momentos desta inolvidável aventura irei guardá-los para mim, mas compartilharei convosco o essencial destes 32 dias fora de portas.

Deixo-vos agora este relato mais completo, até porque durante a nossa travessia nem sempre foi fácil, por diversas razões, actualizar o nosso “diário de viagem”. Faço votos sinceros para que o relato da nossa passagem pelo mais mítico de todos os Caminhos de Santiago vos entretenha quanto baste e quiçá que vos faça também um dia destes aventurarem-se até “Campus Stellae”!

A partir de amanhã, conto então colocar aqui uma postagem por dia com o diário de cada jornada, desde a nossa saída de Nisa até ao nosso regresso a casa. Espero que desfrutem, tanto quanto nós desfrutámos, de cada minuto do Caminho!
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Texto: Sérgio Cebola
Foto: Albergue de Ayegui, Caminho Francês, 22/04/2010
Autoria: António Delfino

Mensagem do Alexandre



Queridos irmãos Peregrinos e seguidores,

Já vos escrevo de São Paulo, onde volto à vida (i)real. Parte de nosso sonho vivido em passadas terminou e agora resta o sonho vivido em lembranças. Quero deixar aqui minha mensagem de gratidão por tudo que pudemos vivenciar juntos, num clima de intensa amizade e cooperação.

Como disse a vocês, repito que não são necessários anos para que uma sólida amizade se concretize e faço questão de exteriorizar este pensamento aqui neste espaço. Nossos momentos de alegria e vivência do caminho não estarão apenas registrados em fotografias ou filminhos, mas também nos nossos corações peregrinos.

Obrigado a todos, Antonio, Pimpão, Rosalino e Sérgio e também a todos os Peregrinos que conosco caminharam por algum ou muito tempo: Luis (Barcelona), Javi (Menorca-Espanha), Antonio (Espanha), André (Bélgica), Chris (Brasil), Ernani (Brasil), Antonio Sergio (Brasil) e todos os demais que de uma maneira ou outra depositaram sua pedrinha do Caminho em nossa "Cruz de Ferro" pessoal.

Queridos amigos Peregrinos portugueses, tenham certeza que nosso contato não se perderá e que nossos laços não se enfraquecerão. O que vivemos no Caminho é indeletável (nova palavra do idioma português), inesquecível e eterno. Já está escrito no “Campus Stellae” e de lá nunca sairá.

Beijos a todos,


Alexandre

segunda-feira, 24 de maio de 2010

O Regresso a casa




A partida de Santiago de Compostela rumo a Nisa foi às 10h30 (hora espanhola) do dia 20 de Maio de 2010, de autocarro até ao Porto, onde chegámos às 13h30 (hora portuguesa), depois autocarro inter-urbano desde a Praça da Galiza até à Estação de Comboios da Campanhã, qual visita turística pelo interior da cidade invicta, pouco mais de 30 minutos para um almoço quase volante e super rápido: bifanas (que saudades…), finos e príncipes (à boa maneira portuense é claro!) e caldo verde com pão de centeio! Às 14h52 era chegada a hora de partirmos no inter-cidades até ao Entroncamento, com paragens em Espinho, Estarreja, Aveiro, Coimbra, Alfarelos, Pombal e Entroncamento, onde chegámos às 17h05, para aguardarmos até às 17h30 pelo comboio regional da Beira Baixa, com paragem em todas as estações e apeadeiros, mas que nos proporcionou um bonito passeio ao longo do Rio Tejo até Vila Velha de Ródão, onde chegámos às 19h10 com familiares e amigos à nossa espera. Após 32 dias, 30 dos quais a caminhar e mais de 900 km depois, estávamos de regresso a casa para um descanso mais que merecido!

Texto: Sérgio Cebola
Fotos: Vítor Condessa